26 de Abril de 2021 // Cláudia Freixinho Serrano

A Lei n.º 62/2011 e a excepção inominada de falta de interesse em agir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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No início do corrente mês de abril de 2021, foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que se debruçou sobre a averiguação se o critério geral de apreciação do interesse processual é derrogado pelo artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, designadamente, na redação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de setembro.

Recordando, a Lei n.º 62/2011 (alterada pelo Decreto-Lei n.º 110/2018), criou um regime de composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, designadamente os medicamentos que são autorizados com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção.

Segundo o n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei nº 62/2011, no prazo de 30 dias a contar da publicitação na página eletrónica do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P., de todos os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do Tribunal da Propriedade Intelectual ou, em caso de acordo entre as partes, junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.

Numa recente decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual, na sequência da apresentação de uma acção ao abrigo do referido regime criado pela Lei n.º 62/2011, foi julgada verificada a excepção inominada de falta de interesse em agir, considerando o tribunal que “a autora tem o exclusivo de explorar as patentes de que é titular e tem o direito de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, fabriquem, comercializem ou ponham a mesma à disposição de terceiros. Contudo, nada nos autos indicia que exista uma qualquer infracção ou ameaça de infracção e não existe qualquer obrigatoriedade na instauração deste tipo de acções, as quais foram pensadas para um determinado circunstancialismo, inexistente actualmente, e com recurso obrigatório ao tribunal arbitral.”

Apresentado recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, este manteve a referida decisão.

Inconformada, a Autora recorreu para o STJ, defendendo que o início ou a iminência de fabrico, comercialização, armazenamento, exportação ou qualquer tipo de cedência de medicamentos que contenham a substância activa em discussão não são condição ou pressuposto para a acção apresentada com fundamento na Lei n.º 62/2011.

Numa primeira análise, o Tribunal superior reconheceu o direito da Autora de aceder ao recurso de revista excepcional, realçando a polémica que tem vindo a suscitar a matéria da protecção da patente sobre medicamentos relativamente aos quais foram requeridas AIM para medicamentos genéricos. Considerando que, pese embora o interesse particular da recorrente em aceder ao terceiro grau de jurisdição, o que viesse a ser decidido neste caso seria suspectível de se reflectir na resolução de outros litígios em matéria de propriedade industrial cuja competência está concentrada num único tribunal de 1.ª instância, assim contribuindo esta intervenção do STJ para a certeza e segurança na aplicação do direito.

Posteriormente, no seu Acórdão, o STJ clarificou a questão, definindo que “Os titulares dos direitos de propriedade intelectual podem propor a acção especial prevista no artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, designadamente, na redação do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de setembro, em face da publicação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado.”

O STJ recorreu às palavras do Professor Evaristo Mendes, “Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei n.º 62/2011”, in Propriedades Intelectuais, n.º 4 – 2015, págs. 26-40”, para fixar que “(…) o processo previsto no Art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, deverá representar-se (e continuar a representar-se) como um “processo especial” de acertamento de direitos: i) suscetível de ser desencadeado em face da publicitação de um simples pedido de AIM (altura em que não haverá, via de regra, qualquer infração ou ameaça iminente de infração de direitos de propriedade industrial); ii) que os titulares de direitos podem instaurar ou não, consoante o interesse que vejam nele; iii) que apenas pode ser instaurado dentro do prazo de um mês a contar dessa publicitação, porque isso se enquadra na lógica de um processo rápido, destinado a concluir-se idealmente antes de haver uma decisão do Infarmed sobre o pedido de AIM; e iv) com uma única instância de recurso.”

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