Com o aproximar da data em que se celebram 95 anos desde a primeira divulgação do famoso Rato Mickey pela Walt Disney Company em 1928, na curta-metragem Steamboat Willie, tem sido amplamente noticiada a questão da eminente entrada para o domínio público desta icónica personagem, o que irá ocorrer a 1 de Janeiro de 2024.
À luz da legislação do direito de autor dos Estados Unidos da América e em conformidade com as mais recentes revisões (a última alteração foi em 1998 e concedeu mais 20 anos a todos os direitos de autor ainda vigentes, sendo “carinhosamente” apelidada pelos opositores como The Mickey Mouse Protection Act), os direitos autorais da Walt Disney Company sobre esta sua mítica obra caducam em breve, volvidos 95 anos desde a sua primeira publicação na referida curta metragem.
O nosso Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) estipula que “o direito de autor sobre obra originariamente atribuída a pessoa coletiva caduca 70 anos após a sua primeira publicação ou divulgação lícitas”. Sucede, que o CDADC estipula imediatamente uma situação de exceção a esta regra geral para as pessoas coletivas, concluindo a premissa supracitada da seguinte forma: “(…) salvo, se as pessoas físicas que a criaram foram identificadas nas versões da obra tornadas acessíveis ao público.”. Nesta situação, a duração do direito de autor é contabilizada individualmente pela sua atribuição a um criador singular, ou seja, nos termos da regra geral do artigo 31.º deste Código de que “O direito de autor caduca (…) 70 anos após a morte do criador intelectual”.
Ora, pouca gente sabe (pela sua imediata associação a Walt Disney), mas a pessoa responsável pela existência do acarinhado Mickey Mouse é o desenhador Ub Iwerks (Ubbe Ert Iwwerks). Autoria essa, que vem efetivamente e concretamente identificada na abertura da curta-metragem Steamboat Willie aos 0:11 segundos, onde se pode ler, em dimensões consideráveis, a seguinte menção: “A Walt Disney Comic by Ub Iwerks”.
Resulta assim, afinal, que talvez tivesse sido “melhor” que o Rato Mickey fosse português…
Contas feitas, tendo sido o desenhador Ub Iwerks perfeitamente identificado como criador do Rato Mickey na obra que foi tornada acessível ao público, o direito de autor sobre a mesma só caducaria, assim, em Portugal, 70 anos após a sua morte. Uma vez que este fatídico dia foi 7 de Julho de 1971, o “Rato Mickey português” só entraria no domínio público no ano de 2042 – o ano seguinte à data dos 70 anos da morte do seu criador intelectual.
A realidade, é que ainda que envidados todos os esforços ao longo de vários anos pela empresa norte-americana para adiar este momento, a mesma terá todavia que aceitar que o Rato Mickey vai mesmo entrar para o domínio público com a passagem do ano para 2024, conforme estipula a legislação local.
Cabe em todo o caso salientar alguns aspetos essenciais referentes a esse momento. Desde logo, só a figura do Rato Mickey conforme divulgada na curta-metragem a preto e branco Steamboat Willie vai entrar para o domínio público. Ou seja, nessa exata versão – menos trabalhada, sem as famosas luvas brancas e com o focinho mais pontiagudo, tal qual um “verdadeiro” rato. Todas as posteriores variações da obra original do Rato Mickey continuarão protegidas por direito de autor até à data do respetivo 95.º aniversário.
Por fim, é essencial recordar, que o direito de autor é um tipo de direito intelectual, mas cuja proteção pode ser (sendo mesmo aconselhável, na maioria dos casos) conjugada com outras, oferecidas por outro tipo de direitos, nomeadamente de propriedade industrial, como por exemplo, a marca ou o desenho ou modelo. Naturalmente, a Walt Disney Company tem a designação “Mickey Mouse” devidamente registada como marca em praticamente todo o mundo sob a sua titularidade, seja isoladamente ou combinada com outras expressões ou imagens e mesmo enquanto marca figurativa, nas várias versões do próprio desenho deste famoso ratinho.
Nestes termos, quem quiser vir a usar a imagem do Rato Mickey de 1928 após a sua entrada no domínio público não vai ter a vida facilitada. Até porque ao fazê-lo, por exemplo em Portugal, não poderá resultar desse uso qualquer associação com a Walt Disney Company sob pena da prática de atos de concorrência desleal, mesmo que independentes da sua intenção, o que, convenhamos, será praticamente impossível.